Cultura

Poetisa Joice Zau “pega nas dores do povo” e faz arte

manuelsumbo
Mai 09, 2022

Natural de Cabinda, segunda de seis irmãos, Joice Zau viveu no Kuanza Sul e estudou engenharia em Luanda, onde vive actualmente.

Em 2018 começou a escrever poesia, mas foi em 2020 que ganhou visibilidade, com o poema “Em 2022 vão gostar”, inspirado na campanha de oposição ao Presidente João Lourenço “JLo Em 2022 vais gostar”.

O poema, declamado num `poetry slam`, concurso de poesia falada, chamou a atenção pela forma emotiva como é interpretado, mas sobretudo pelo conteúdo, que, embora sem referência a nomes, é uma crítica ao Governo angolano e uma referência às eleições presidenciais de agosto deste ano.

“É injusto que a bandeira que um dia erguemos continue a debotar o sangue das nossas dores e evapore os nossos sonhos”, diz um dos versos do poema, que acrescenta: “Já não temos `pin` nem `puk`. Angola está bloqueada. Não há luz no fim do túnel”.

Zau recorda que foi escrito na fase da pandemia, que em Angola viu “vários direitos serem violados”.

“Foi uma fase em que houve muitas manifestações, inclusive a morte do Inocêncio de Matos, que foi um activista que foi morto numa manifestação, e várias violações de direitos humanos. As senhoras eram espancadas. Matou-se um médico por não usar máscara”, lembrou, referindo ainda o caso das mulheres que trabalham no mercado informal, que foram impedidas de vender e ficaram “em casa, a passar fome, os filhos a morrerem”.

“Foi um poema que trouxe bastante visibilidade e trouxe também alguns problemas”, diz Joice Zau, em entrevista à Lusa.

A `artivista` conta que soube que “esse poema chegou aos órgãos do Estado” e surgiram `fake news` de que estaria a ser financiada por Tchizé dos Santos, filha do ex-presidente José Eduardo dos Santos.

“A minha família ficou obviamente assustada e acabaram me assustando também. Inclusive eu tive de ficar duas semanas em casa trancada sem sair. Os meus familiares não me deixaram sair, fiquei sem telefone, ninguém conseguia me localizar”, relata.

Ainda assim, Joice recusa parar de escrever e declamar a sua poesia, porque parar significa “dar mais espaço para que essas ditaduras e essas opressões continuem”.

Para Joice, campeã brasileira de `poesia falada` e vencedora do concurso do género para mulheres lusófonas, este movimento do `Spoken Word` acaba por ser “uma nova modalidade em que as mulheres conseguem se expressar, falar dos seus problemas, falar da violência doméstica e do abuso sexual, da violência infantil”.

Ainda sobre o título do poema que lhe deu visibilidade, Joice diz esperar que, em 2022, “os angolanos venham a gostar de uma alternância política, porque há muito que se deseja isso”.

“Infelizmente, em 46 anos os angolanos não conseguem saborear uma alternância política ou governativa, então em 2022 eu espero que os angolanos tenham o privilégio de experimentar novos modelos de governação”, refere, reconhecendo, no entanto, que isso “será um pouco difícil”.